O Sermão sobre a queda de Roma | Jérôme Ferrari

Assim como nos deparamos na qualidade efêmera da condição humana e de tudo que construiu e constrói em sua existência, ascensão e queda, mesmo as mais imponentes e concretas criações do homem chegam, uma hora, a seu fim; e é sobre isso que trata o sermão 81 de Santo Agostinho onde o autor Jérôme Ferrari tirou a inspiração para escrever uma obra que narra de maneira poética e filosófica a vida de personagens que ascendem ao topo e definham na decadência por seus próprios atos e escolhas, é um romance melancólico, na qual desde o inicio do desenrolar dos fatos o leitor pode pressentir o desastre que se aproxima.

Os protagonistas centrais Matthieu e Libero são dois jovens amigos de infância estudantes de filosofia, nascidos em um lugarejo pequeno na ilha de Córsega, que é portanto o lugar onde a narrativa se foca; insatisfeitos com a carreira acadêmica decidem abandonar os estudos em Paris, retornam à sua terra natal, onde resolvem arrendar um decadente bar que já havia tido varias administrações, todas sem sucesso. Então a dupla de amigos da início ao arriscado projeto, contrata um antigo dono do bar, quatro bonitas moças jovens – com a intenção de atrair homens para o bar – pobres e sem grandes pretensões da vida, e uma mulher experiente em bares, que por indicação de outro dono de bar é contratada por eles para cuidar do caixa.

No entanto a narrativa não se foca apenas nos dois, mas também em Marcel, e pouco menos Aurelie, respectivamente avô e irmã de Matthieu, além de breves abordagens narrativas na perspectiva de outros coadjuvantes, que ao fim enriquece notavelmente a construção dramática da história, à apresentação da personalidade dos personagens não vai sendo construída de forma linear, mas sim fragmentada, ao longo da leitura nos deparamos com várias mudanças temporais que transitam desde infância, idade adulta e velhice que confunde um pouco e deixa dúvidas (mas nada que não se resolva ao passar de páginas). Acompanhado de uma escrita poética, cheia de metáforas, a leitura no início parece um pouco truncada, um momento a narrativa se posiciona na perspectiva de Marcel na infância, no capítulo seguinte a perspectiva é da dona do bar, depois se volta na perspectiva de Matthieu, muitas páginas depois volta a perspectiva de Marcel na idade adulta por aí vai, quando é introduzido um novo personagem na maioria das vezes ele não é apresentado pelo narrador de imediato, ele é apenas citado pelo próprio nome, o que às vezes me dava a impressão de que tivesse me esquecido kk, mas ao fim uma série de dúvidas que se formam em torno dos personagem são sanadas, e como resultado temos personalidades sólidas e a escrita se mostra dona de um certo charme estilístico, ao meu ver.

No entanto, apesar de termos Matthieu e Libero como protagonistas, pouco se direciona a narrativa a Libero, ao contrário de Matthieu e de seu avô e irmã, que tem sua vidas mais exploradas na narração; Matthieu sempre foi renegado e execrado por seu avô, ao mesmo tempo que viveu sobre mimos e um protecionismo exagerado de sua mãe, a renegação de Marcel por seu neto vem do desgosto de ver seu filho casar-se com a prima e irmã de criação, que mesmo diante da desaprovação de toda família, consumam seu amor ao terem dois filhos: Matthieu e Aurelie.

Matthieu cresce com sentimento de exclusão, renegação, e se apega a seu único amigo Libero, e na relação entre eles fica visível a dependência emocional de Mathieu por Libero, como ele segue seus passos a todos os lugares, desde criança, na escolha do curso na faculdade, e na decisão de abandonar os estudos e abrir um bar, serem donos do próprio negócio, senhores de si, e mais tarde devido o rumo e escolhas que eles tomam, cegos de egoísmo, autoconfiança exagerada por um aparente sucesso, se encaminham para própria ruína, claro sob uma certa liderança de Libero; como cita o narrador em um trecho do livro: “Matthieu e Libero eram os únicos demiurgos daquele mundinho todo seu. Só que o demiurgo não é um Deus criador, não sabe que está construindo um mundo, trabalha como homem que é, pedra após pedra, e logo sua criação escapa, ultrapassa-o e, se ele não a destrói será ela a destruí-lo“. Contudo assim como a dupla de amigos não é a unica a conhecer céu e inferno, cada personagem possui sua ascensão e queda, assim como é na ruína que se encontra o vilarejo, ruína econômica, moral, e humana talvez…

Apesar do autor em entrevista ter admitido que não escreveu o romance com pretensão de abordar temáticas sociais, elas estão presentes no livro, como ele mesmo assume, a tensão racial, colonialismo, a fuga dos problemas através da indiferença, pobreza, narcisismo, depravação moral, estão inseridos no romance de forma intrínseca, assim como estão na vida, e assume-se através de uma naturalidade que nem percebemos, ou percebíamos há tempos atrás.

Cara que livro foda, O sermão sobre a queda de Roma é definitivamente uma das melhores leituras da minha vida, é um livro triste, pesado, com momentos carregados, surpreendentes, um livro que nos coloca frente a um horizonte pessimista da vida, talvez também existencialista; para alguns leitores mais sensíveis, essa pode ser talvez uma leitura baixo astral, que deixe para baixo por um tempo, dependendo do contexto pelo qual esteja vivendo, mas que com certeza indico e vou sempre indicar, é uma experiência literária essencial aos amantes da leitura e do pensamento do rumo que damos a nossas vidas.

Matheus Leminsk.

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